top of page
Buscar
  • pedroisaac9

Por que estudar o trabalho as novas tendências do trabalho na perspectiva da Sociologia Clínica?

As primeiras décadas do século XXI têm sido marcadas pelo aprofundamento de processos iniciados nas últimas décadas do século anterior e que têm causado um impacto global sobre várias esferas da vida, mas sobretudo na esfera do trabalho. A financeirização da economia, a reestruturação produtiva e o avanço das tecnologias da informação e comunicação vêm modificando o modo como vivemos, consumimos, trabalhamos, nos relacionamos e participamos da vida política em nossas sociedades (MOROZOV, 2018). Dentre as consequências notadas, está o elevado desemprego estrutural e a efetivação dos subempregos como o novo normal, fazendo desmoronar os pilares daquilo que costumamos chamar de sociedade salarial (CASTEL, 2001).


O aumento da informalidade e de novas formas precárias de contratos de trabalho têm ganhado novos contornos com o desenvolvimento de plataformas digitais online de prestação de serviços, como Uber, Cabify, iFood, Rappi, Fiverr, Open English etc. Tais plataformas, dominadas por empresas multinacionais, se caracterizam por, segundo os discursos oficiais, facilitar o contato entre aqueles que demandam determinados serviços e aqueles que prestam esses serviços. Essa intermediação entre usuários consumidores e usuários trabalhadores é organizada por um algoritmo que estabelece determinadas regras, preços e condições às quais todos os usuários devem se submeter. Contudo, mesmo havendo uma clara relação de subordinação, os usuários trabalhadores não são considerados empregados pelas empresas, mas “parceiros”, para os quais não está previsto nenhum direito trabalhista (SLEE, 2017).


A esse processo, os pesquisadores vêm chamando de uberização do trabalho, tendo em vista a visibilidade e a escala que a empresa Uber tem dado a esse tipo de plataforma. Milhões de trabalhadores no mundo inteiro têm encontrado nessas plataformas um meio de ganhar a vida nos últimos anos. No Brasil, com o aumento do desemprego, a uberização tem atingido não apenas os trabalhadores que tipicamente buscavam no trabalho informal ou autônomo um meio de vida, mas também trabalhadores qualificados e oriundos de diversos estratos sociais.


Além disso, os setores industrial, agropecuário e, principalmente, de serviços, têm passado por amplas e profundas mudanças promovidas pelo desenvolvimento informacional e o advento da chamada Indústria 4.0. Trabalhadoras e trabalhadores veem seus trabalhos serem transformados, intensificados ou até mesmo suprimidos por softwares, plataformas e algoritmos que se impõem em uma escala e velocidade nunca vista antes na história da humanidade (ANTUNES, 2020).


Nesse ambiente, o trabalhador se encontra atravessado por uma série de injunções, em grande medida, paradoxais, que o instam a produzir mais, a se implicar mais, a empreender, a se qualificar, a investir em si ao mesmo tempo em que o mercado de trabalho se torna cada vez mais excludente, fluido e incerto. Nesse sentido, a noções de sujeito e de subjetividade ganham importância, uma vez que é na interação entre o social e o psíquico que se dá alguns dos embates mais importantes do mundo do trabalho moderno. É aí que podemos captar as diversas síndromes que acometem a humanidade atualmente (depressão, estresse, burnout, entre outras), é aí também que se constroem as possibilidades de reflexividade e de resistência. Desse modo, compreender a subjetividade no mundo do trabalho atravessado pelas transformações tecnológicas recentes é fundamental para compreender este início de século.


Para se debruçar sobre o sujeito, propomos a abordagem da sociologia clínica, cujo programa se propõe a refletir sobre os obstáculos a ser sujeito, ou seja, como os processos atuais de socialização nos tornam “indivíduos”, mas não necessariamente “sujeitos”. Compreender o que é ser sujeito exige: 1) uma reflexão sócio-histórica, partindo da hipótese de que o sujeito se constrói frente às contradições com as quais é confrontado; 2) uma reflexão clínica a partir da história de vida para ilustrar a hipótese segundo a qual o indivíduo é o produto de uma história da qual ele procura se tornar sujeito; e 3) uma reflexão de sociologia crítica sobre as armadilhas da ideologia da realização de si. (FERREIRA NUNES; ISAAC SILVA, 2018)


Desse modo, o curso pretende proporcionar, por meio de um olhar multirreferenciado e privilegiando a abordagem da sociologia clínica, a compreensão do mundo do trabalho e do modo como as novas tecnologias têm impactado na constituição da subjetividade dos trabalhadores nesse início de século.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


MOROZOV, Evgeny. Big tech: A ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo, Ubu, 2018.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social. Petrópolis: Vozes, 2001.

SLEE, Tom. Uberização: A nova onda do trabalho precarizado. São Paulo: Elefante, 2017.

ANTUNES, Ricardo (org.) Uberização, trabalho digital e indústria 4.0. São Paulo: Boitempo, 2020.

FERREIRA NUNES, Christiane Girard; ISAAC SILVA, Pedro Henrique. A sociologia clínica no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia. v. 6, n. 12, Jan-Abr/2018.




30 visualizações0 comentário
bottom of page